quarta-feira, 11 de julho de 2012

Sr. Franco Atira Dor ou A Verdadeira História da Bela Adormecida





Ahn Young-joon/AP

"Nossas meninas estão longe daqui
Não temos com quem chorar e nem pra onde ir
Se lembra quando era só brincadeira?
Fingir ser soldado a tarde inteira? "

Soldados - Legião Urbana





Do lado de fora da casa seus filhos brincam de guerra e ele sorri, não por admiração paterna, mas por constatar que nada mudara: eles apenas colocam seus instintos de competição para fora, hoje é apenas uma brincadeira entre eles, amanhã poderão participar de uma guerra cuja brincadeira pertencerá a outros.  

Papai veja o tamanho da minha escopeta!  

Logo o filho mais velho retruca: 

A minha é mais potente do que a dele! 


E no papel de apaziguador de conflitos, desenvolve o seu veredicto


Meninos as duas são grandes e potentes, as chances de ganharem são as mesmas. 

Assim as crianças dão-se por satisfeitas ao saberem que o inimigo não possuí vantagens sobre o outro. O pai sentiu-se mal por iludi-los, mas necessita prepará-los para as falsas verdades do mundo, já que sabe que na vida real serão iludidos da mesma forma. Suas brincadeiras de vida são apenas preparativos para algo que já espera por eles. Lembrou-se de quando era criança e brincava de matar seu melhor amigo com uma espada de plástico e pode sentir mais tarde a mesma sensação da brincadeira quando tirou o melhor amigo de sua convivência. Era como matar de brincadeira, a pessoa física continua caminhando depois, mas em algum momento eles fingem que uma barreira invisível os separou.

Não entende o que leva a vida não ter um final, uma conclusão e algo fixo. Tudo precisa sofrer a presença de surpresas, a humanidade adora isso, é como uma criança que finge que não sabe qual o presente que o Papai Noel deixou ou como alguém que manda flores para si mesmo e emociona-se quando o florista bate à porta. Uma vez conheceu um sujeito que mandava presentes para si mesmo e cada vez que fazia isso inventava um remetente diferente observando a forma que o sujeito encontrou para driblar um cotidiano morno e sem emoções percebeu que todos ao seu redor faziam o mesmo e tudo isso não passava de uma brincadeira que envolvia o comprometimento de toda à humanidade: a brincadeira de matar a mesmice. Ela funcionava assim: todos fingiam que as formas, palavras, sentimentos, pessoas, objetos, atitudes eram novos e criavam palavras chaves para a brincadeira funcionar (a última sensação do momento, a nova criação, a nova era, a moda atual, o novo estilo de vida, a mulher moderna, a era tecnológica, transgênicos, doenças contemporâneas, gênoma humano, sexo virtual, nanotecnologia...), palavras que abrem as portas de uma fantasia mascarada de realidade. Palavras que se ritualizam inconscientemente na mente humana e contribuem para a transformação do velho no novo, do passado no presente e o surgimento do previsível.

Lá fora as crianças continuam a brincadeira de guerra e lá dentro ele morre aos pouquinhos como se nunca tivesse morrido aos pouquinhos antes. Cumpre o seu papel como a maioria que ele tanto subestima. A única diferença é que ele não está acordado para ver e nem para se negar a brincar.

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