sábado, 16 de janeiro de 2010

A influência dos Profetas da Ficção Cientifica na Era Tecnológica


por Lisa Alves

A linha divisória entre ficção e realidade torna-se para os amantes da literatura e do cinema de ficção cientifica do século XXI apenas uma questão de tempo. Quando é possível reconhecer comportamentos, valores e invenções se transformando em um modo de vida do agora, sendo que outrora não passavam de simples palavras profetizadas por um escritor ou um cineasta futurista, esta linha só tende a se tornar cada vez mais uma pura questão de tempo. Há quem diga que a arte é puro sentimento e há quem diga também que o futuro é puro sentimento. Em 1993, o atual senador e ex-governador do Distrito Federal (Cristovam Buarque) escreveu Futuro em uma coletânea denominada O Pensamento Inquieto que surgiu após o Fórum do Pensamento Inquieto que se realizou na UnB (Universidade de Brasília). Cristovam deixa bem claro em seu discurso que o futuro só pode existir através do sentimento humano:

“Será que o fim da humanidade é a morte do futuro? Eu acho que sim. (..) ... o futuro terá morrido, porque o futuro não é um conceito de tempo físico. O futuro é um sentimento dos homens.”


Não há um ser humano que não queira imaginar o seu próprio futuro. No entanto, é impossível alimentar esperanças ou desesperanças futuras sem imaginar um mundo novo, um mundo que esteja preparado e equipado para servir todas nossas expectativas e sonhos. A ciência de hoje quando quer justificar o financiamento às suas pesquisas, faz prognósticos de possíveis benefícios que ela trará à humanidade no futuro. Paulo Belo Reyes, arquiteto e doutor em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, escreveu um artigo em 2003 para a revista Teorema intitulado “Cidades do futuro no cinema” cujo tema é focado na idéia da implantação de novas tecnologias dentro dos roteiros cinematográficos. Paulo Belo cita três exemplos de filmes que ele denomina “cinema de antecipação” ou seja filmes que abordam a temática das tecnologias em contexto social. Metrópolis (Fritz Lang, 1926) para ele anuncia o processo de industrialização, Blade Runner (Ridley Scott, 1982) pauta a clonagem e Matrix (Irmãos Wachowski, 1999) a inteligência artificial. Ele traduz com perfeição a influência da ficção cientifica e ainda acrescenta:


“As novas tecnologias que têm sido mediatizadas pelo cinema não comparecem fora de um determinado contexto social. Pelo contrário, sempre estão articuladas e contextualizadas num tempo e num espaço.”

É impossível ignorar avanços científicos que antes mesmo dos próprios cientistas, foram previstos em obras de ficção. Exemplo disso foi o escritor francês Júlio Verne que em seu livro De la terre à la lune (Viagem à lua), de 1865, previu que o homem conseguiria chegar ao satélite da Terra e também qual seria a velocidade necessária para essa jornada (11 km/s). Em Vinte mil léguas submarinas, de 1869, o escritor previu que os submarinos futuramente utilizariam um combustível muito eficaz e inexaurível. Mais tarde, em 1954 submergiu o primeiro submarino da história movimentado por propulsão nuclear, que em homenagem ao personagem capitão Nemo de Vinte mil léguas submarinas, foi batizado pelos norte-americanos de Nautilus. A robótica também foi uma filha gerada no ventre literário. É verdade que a mesma floresceu depois da chegada do computador, no entanto, ela foi baseada na obra do ficcionista (e também bioquímico) Isaac Asimov. O termo "robótica" aparece primeiramente em uma pequena história sua, de 1942, intitulada Runaround. Mas é em 1950 que Asimov postula as três leis fundamentais da robótica:

1ª Lei: Um robô nunca deve atacar a um ser humano, nem omitir socorro a um ser humano em perigo.
2ª Lei: Um robô deve sempre obedecer às ordens dadas pelos seres humanos (a não ser que esta lei entre em conflito com a primeira).
3ª Lei: Um robô nunca deve se auto-destruir e destruir a um dos seus (a não ser que esta lei entre em conflito com as duas primeiras).

Estas leis foram criadas em uma coletânea de contos intitulada Eu, robô (cuja adaptação foi exibida nos cinemas em 2004). Na obra de Asimov as Leis da Robótica protegem a integridade humana contra possíveis confrontos entre criador e criatura. Pode ser que futuramente venhamos a desenvolver recursos semelhantes a fim de que ninguém seja prejudicado pelo mau uso dos robôs. Não é segredo para ninguém que as máquinas a cada dia estão se aperfeiçoando e até mesmo poupando seres humanos de algumas profissões de risco. A Era Tecnológica clama por dinamismo, perfeição, economia e quantidade. Diante deste quadro é exigido cada vez mais a presença de máquinas no chamado Mercado Industrial, diminuindo assim a força de trabalho humana. Asimov pressupõe uma coexistência tranqüila e promissora entre homens e máquinas o que não impede que o Homem tema sua extinção e caía na conhecida "síndrome de Frankenstein" que simboliza a criatura virando-se contra o seu criador. Cristovam Buarque também em Futuro explica a raiz dessa fobia humana relacionada às mudanças futuras:

"A ficção científica ( um dos grandes indicadores de como vemos o futuro), que, salvo 1984, só tinha livros que colocavam o futuro como idílio, passou a se dedicar ao terror. Hoje assistimos mais os filmes pelo terror do que pela imaginação do futuro, porque o futuro ficou assustador. Todo o futuro era visto como de paz, de tranqüilidade. Hoje, temos uma violência crescente. Todos os sonhos dos utopistas, dos socialistas utópicos, dos socialistas científicos, dos capitalistas eram de que o mundo do futuro seria um mundo sem desigualdade social (...) A desigualdade aumentou. Então, o medo aumentou, ressurgiu. A violência cresceu. A arte entrou no sentimento de esgotamento."

Dentre estas influentes obras citadas seria imperdoável deixar de comentar o Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley em 1931. Considerada uma fábula futurista, a obra relata uma sociedade completamente organizada, sob um sistema científico de castas, cuja liberdade individual foi eliminada para dar lugar a uma servidão aceitável. Os indivíduos dessa sociedade eram controlados quimicamente pelo Soma ( uma droga que era distribuída para todos com a função de eliminar conflitos, desejos e ansiedades). Não havia espaço para questionamentos ou dúvidas, nem para os conflitos, pois até os desejos e ansiedades eram controlados quimicamente pelo droga com o intuito de preservar a ordem dominante. As castas superiores eram decantadas em betas, alfas e alfas+ e as castas inferiores eram classificadas de Deltas e Ipsilons. Os indivíduos já tinham uma predestinação obtida através dos controles feitos desde a geração por um sistema que aliava controle genético. Durante o sono as pessoas recebiam doses regulares de propaganda que faziam com que as mesmas tivessem suas crenças, comportamentos e ideologias padronizados. A visão de Aldous nesse livro demonstra uma visão de futuro bem diferente da época que ele vivia. O autor considerava 1931 uma época cujo pesadelo era a excessiva falta de ordem. Já na sua obra que se passava no século VII D.F. (depois de Ford) a ordem em demasia que era o pesadelo. Admirável Mundo Novo denota as apreensões e angústias de uma época em que as transformações eram não somente rápidas, mas também profundas. A obra responde à pergunta que não quer calar "Para onde caminha a humanidade?" Ao contrário de Matrix onde o mundo é governado por máquinas robôs, Admirável Mundo Novo é controlado pelos homens. Ambas as fábulas vivem dentro de uma ordem estabelecida e apontam para uma desumanização dos humanos e a morte do indivíduo. Será que há um limite para o desenvolvimento humano? Será que a humanidade é só um meio para o nascimento de uma inteligência que supere o próprio homem? Será que a vida vai continuar imitando a arte? Será que Nietzsche quando profetizava o nascimento do “além-homem’ já imaginava que um dia a clonagem humana estaria a um passo para acontecer?

“Vós, os homens mais altaneiros que meu olhar alcançou, eis a minha dúvida quanto a vós, e o meu riso secreto: eu adivinho que ao meu super-homem chamarieis-demônio!” (Citação do Zaratustra, parte II, “Da prudência dos homens” da obra Assim falou Zaratustra de F. Nietzche).