quarta-feira, 10 de julho de 2013

O Brado Coletivo dos Trópicos

Foto: Juliana Botão



por Lisa Alves

Nos últimos dias o Brasil tem experimentado a ação das reuniões coletivas unicamente vistas anteriormente nas aglomerações festivas e esportivas que se volveram em um símbolo de uma nação tupiniquim. O alegre e hospitaleiro Homem Cordial”, de Sérgio Buarque de Hollanda, como em um surto psicótico foi tomado de ódio e voz. De uma miúda manifestação reivindicando contra o aumento na tarifa do transporte coletivo ao grito em coro de cidadãos aparentemente sem bandeiras sobre múltiplas causas que navegam em mares da possibilidade e do equívoco. As disputas por uma liderança nas manifestações fizeram-se notadas em todos os tabloides quando a cada dia surgia uma nova testa jovem guiando algum movimento de alcunhas distintas: do conhecido "Movimento Passe Livre" aos até então sem vozes como o "Juntos" e o denominado "Marcha do Vinagre" florescido no calor dos acontecimentos e como resposta ao Estado gerador de abusos por meio da força policial.  O mundo ampliou suas lentes às manifestações que de pacíficas passaram ao ato de agredir coisas e instituições financeiras como os Bancos e Lojas e se alargaram a luta entre militares e civis. No último dia vinte de junho mais de um milhão de brasileiros tomaram as ruas e o descontrole se apoderou de algumas cidades onde o coro dos descontentes movimentos sociais se uniu à vingança descomprometida de supostas facções e infiltrados. Compreender as ações que desviaram o objetivo dos manifestantes tornou-se tarefa árdua e pauta de fóruns nas redes sociais“Seriam militares disfarçados provocando a desmoralização dos movimentos?”, “Seria uma intenção de Golpe?”, “Seria a extrema direita desviando as pautas?” ou “Seria o ódio inflamado das massas que se recusam a serem menores do que coisas de vidro e concreto?”. 

Contudo é preciso fazer uma leitura mais madura dessas manifestações e menos apaixonada no sentido de não nos limitarmos às mágoas em nome de líderes-heróis. Sim é preciso reconhecer o mérito, já que é bem clara a mudança de consciência do nosso povo desde o ano em que Lula assumiu a presidência e mudou o rumo histórico de um Brasil que até então não possuía grandes estatísticas de mobilidade social. A esquerda provou que dez anos valeram por todos os outros e por isso não podemos ser ingratos, pois se o Brasil está mudando a semente foi plantada também pelo cara que dizia incendiado: “Companheiros e Companheiras...” Apesar disso é momento de se pensar no coletivo sem os signos e cores ideológicas que têm nos afastado. Vivemos uma apartheid social que se revela geograficamente – O Brasil do Sul e Sudeste não é o Brasil do Norte e Nordeste.

A violência focada nas manifestações é tão relativa quanto o tempo, mas esse (o tempo) já nos revelou que a violência verdadeira está presente nas filas largas dos hospitais, está presente no sistema carcerário (que deveria ser um sistema de reabilitação social e não uma escola de geração de ódio e mais violência), está presente na educação pública que carece de atenção e um ensino que provoque no ser mais paixão e valorização pela sabedoria, está presente na falha da saúde pública que serve de publicidade gratuita aos planos de saúde, está presente na insegurança pública que como na saúde fomenta novos gastos em seguros e mais seguros, está na presente na impunidade relativa a corrupção, está presente na indiferença do Estado relacionada às prioridades das regiões que vivem em períodos extensivos de seca, está presente nas comunidades indígenas e quilombolas que são dizimadas por interesses capitalistas e pela santíssima trindade desde os tempos da colonização, está presente no controle imobiliário que obriga as pessoas a sustentarem um setor que pela lógica da equidade nunca deveria ter existido, está presente na diversidade sexual que não tem sido respeitada quando é obrigada a ingerir religiosos achatando direitos conquistados e rebolando na Constituição quando assumem funções que enevoam o Estado Laico e ainda por cima querem volver o corpo da mulher em um território regido por leis que só servem para potencializar a desigualdade entre os gêneros. 

Bakunin através de sua teoria anarquista defendia a utilização da violência para provocar transformações na sociedade e estabelecer relações mais justas entre os homens. Além dele praticamente todos os anarquistas socialistas libertários alertavam sobre a necessidade do recurso de violência como legítima defesa à violência do Estado. E se formos sinceros e justos perceberemos que o vandalismo causado nas últimas manifestações é um cisco comparado à violência que o Estado nos sujeita – da ausência de serviços básicos para a manutenção da vida aos campos de concentração denominados por Sistema Prisional. Será que depois de explanar tudo isso as manifestações ainda são incompreensíveis, mesmo quando violentas e desordenadas?  A regressão dos nossos Direitos Humanos é motivo de piada, jogaram uma comissão tão importante nas mãos de pessoas que tomam a bíblia cristã por Constituição Máxima. Isso sim é um ato violento e opressor! É por isso e por tantas outras contradições que o povo não compreende o papel dos Poderes. É por isso é por tantas “cegueiras” e “joãos sem braços” que a população está com ódio desses representantes que só se curvam a vontade do coletivo em suas campanhas eleitorais. Enquanto escrevo esse texto meus vizinhos gritam “Gol” e eu penso em desistir e tacar um “Foda-se” a tudo isso, mas eu não sou assim e anseio por um Brasil melhor: um Brasil com reforma agrária, um Brasil sem preconceitos, um Brasil sem fome e miséria, um Brasil ecologicamente equilibrado. Utopia?  Não, não é! Isso é executável, isso pode ser realidade, mas antes vamos ter que quebrar muitas coisas, começando pelo medo de lutar e de nos politizar. O Homem é um animal político nos afirmou Aristóteles e política é a arte ou ciência da organização, direção e administração, continuar cedendo essa capacidade a outrem e legitimar todas essas mazelas que amargamente digerimos. Vamos primeiramente lutar por uma democracia participativa, onde qualquer lei tenha que passar pela aprovação coletiva antes de ser levada para votação nas câmaras municipais, estaduais, distritais e federais. Segundo Wisconsin, sobre a obra “O lucro ou as pessoas?” de Noam Chomsky,  para que a democracia seja efetiva é

necessário que as pessoas se sintam ligadas aos seus concidadãos e que essa ligação se manifeste por meio de um conjunto de organizações e instituições extra-mercado. A democracia neoliberal, com sua ideia de mercado über alles, nunca tem em mira esse setor. Em vez de cidadãos, ela produz consumidores. Em vez de comunidades, produz shopping centers. O que sobra é uma sociedade atomizada, de pessoas sem compromisso, desmoralizadas e socialmente impotentes.  Em suma, o neoliberalismo é o inimigo primeiro e imediato da verdadeira democracia participativa, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o planeta, e assim continuará no futuro previsível.

Vamos exigir que uma Comissão como a dos Direitos Humanos torne-se composta por representantes dos movimentos sociais.  Depois, bem depois de perdemos o medo principiemos na caça pelas “cabeças” dos dez homens mais ricos do Brasil que segundo contagens de 2010 possuem juntos uma bagatela de 111,5 bilhões de dólares. Gravem os nomes e pesquisem: Sicupira, Marinho (s), Herrmann Telles, Eike Batista, Dirce Navarro de Camargo, Antônio Ermírio de Moraes e José Safra. Cacemos não para imitar atos Stalinistas e sim para distribuirmos o lucro de seus legados aos setores carentes do nosso território. 

Chomsky nos lembra em O lucro ou as pessoas? (1999) :


 “em geral empresas gigantescas que controlam a maior parte da economia internacional têm meios de ditar a formulação de políticas e a estruturação do pensamento e da opinião.” 


Através dessa reflexão nos compete pensar e agir aplicando o calor dos trópicos para uma energia libertadora e criativa. Precisamos sim dançar como bem disse Emma Goldman, em uma discussão com um camarada, mas dancemos para nos movimentar no sentido de sentirmos, parafraseando Rosa de Luxemburgo, as correntes de nossas prisões.

Sem mais, por enquanto.

Texto publicado no CMI Centro de Mídia Independente